Assisti ao filme Criação – Creation – e gostei um monte.
Um dos motivos é que ele nos situa nos pensamentos e conflitos na época em que Darwin refletia sobre nossa origem.
O outro motivo, não menos importante, e ainda por cima “mágico”, é que já nas cenas iniciais Criação nos remete aos retratos feitos com daguerreotipos. Adoro quando de alguma forma vivencio fatos na história do tempo…
E pegando o “gancho”, tem um texto do Ronaldo Entler sobre o filme, em que ele faz links interessantes sobre a fotografia e Darwin.
Sugiro os dois, vejam o filme e leiam o texto; ou leiam o texto e vejam o filme. Aqui a ordem dos produtos não altera o resultado.
Bom Mergulho!
Darwin e a fotografia
“Neste fim de semana, assisti ao filme “Creation” (2009), recorte da biografia de Charles Darwin centrado nas dificuldades que enfrentou quando finalizava A origem das espécies (1859). Vemos ali um personagem debilitado por uma doença desconhecida, atormentado pela morte de uma filha, e em conflito com os valores cristãos de sua comunidade e de sua família.
Numa das primeiras cenas, sua filha Annie está num estúdio se preparando para ser fotografada. Darwin lhe explica como funciona a técnica. Enquanto o fotógrafo tenta fotografar a menina, ela parece mais interessada nas aventuras que seu pai lhe conta.
Imagino que a fotografia apareça ali como emblema das inovações técnicas que, ao lado da teoria de Darwin, impactaram o século XIX (ainda que, para a pequena Annie, essa novidade esteja ofuscada pelas histórias fantásticas que seu pai lhe conta).
Especulações à parte, a fotografia teve uma presença importante numa pesquisa posterior de Darwin, que resultou em A expressão das emoções no homem e nos animais (1872). Encontrei uma versão digitalizada da primeira edição desse livro, e vi que ele traz um número razoável de referências a trabalhos fotográficos, sobretudo feitos por cientistas. Podemos ler já nos agradecimentos:
“Eu tenho o prazer de expressar meus agradecimentos ao Sr. Rejlander pela disposição de fotografar para mim várias expressões e gestos. Agradeço também ao Sr. Kindermann, de Hamburgo, pela cessão de alguns excelentes negativos de crianças chorando, e ao Dr. Wallich, por um outro encantador, de uma menina sorridente. Já expressei meu agradecimentos ao Dr. Duchenne, que generosamente me permitiu ter algumas de suas grandes fotografias reproduzidas e reduzidas. Todas estas fotografias foram impressas pelo processo da Heliotipia, que garante a precisão das reproduções.”
O livro traz longos comentários sobre a pesquisa de Duchenne de Boulogne, que hoje nos parece um tanto lunático e perverso, dando choques no rosto de pacientes da Salpêtrière, diante da camera de Adrien Tournachon, irmão de Nadar. Mas Darwin mesmo explica a importância desse trabalho na compreensão do funcionamento dos músculos faciais.
Também foi uma surpresa ver que nas referidas imagens de autoria de Oscar Gustave Rejlander, o próprio fotógrafo aparece encenando as “emoções”, provavelmente, pautado diretamente por Darwin.
Conhecemos o belo retrato de Darwin feito por Julia Margaret Cameron, e encontramos registros de duas cartas trocadas com Lewis Carroll, em que agradece o envio de fotografias, provavelmente para a pesquisa sobre as “Expressões”. Darwin, como outros cientistas e intelectuais, certamente mantinha boas relações com esses fotógrafos e artistas da Era Vitoriana.
Para encerrar, uma curiosidade, mesmo que não explique muito sobre a relação de Darwin com a fotografia: vi que a mãe de Darwin se chamava Susannah Wedgwood. Não foi difícil verificar que se trata da irmã de Thomas Wedgwood, pioneiro nas pesquisas que antecedem a descoberta da fotografia no século XIX, autor do artigo “Descrição para de um método para copiar pinturas sobre cristal e para criar perfis por meio da luz sobre nitrato de prata” (1802).
“Mas é inevitável que de cada procedimento técnico, exercido com amor e rigor, se desprenda uma poesia específica. Mais ainda no caso da fotografia, cujo vocabulário já participa da magia poética – a gelatina, a imagem latente, o pancromático – e cujas operações se assimilam naturalmente às da criação poética – a sensibilização pela luz, o banho revelador, o mistério da claridade implícita no opaco, da sombra representada pelo translúcido – ó Mallarmé!” Carlos Drumond de Andrade – escritor brasileiro